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Os melhores almoços do mundo

Mais um almoço domingueiro e mais uma deliciosa história/memória dos tempos da África portuguesa, aquela mesa foi feita para 6 mas eu gosto mesmo é daqueles almoços com as habituais 11 pessoas (7 adultos e 4 crianças).

Estão quase sempre lá todos um bocadinho apertados é certo mas muito dificilmente esse detalhe sem importância faz-nos trocar de programa, com o mesmo ritmo que os famosos petiscos do pai Amadeu vão desaparecendo a conversa flui com entusiasmo genuíno e desta vez de entre muitos outros assuntos destaco a tal memória de África.

De facto nunca tinha perguntado como é que uma pessoa que foi para Moçambique (o meu pai) em pouco mais de 3 anos já era sócio da Ferrageira do Alto Maé juntamente com o Sr. João Sampaio, não sendo ele um jovem com dinheiro mas apenas um que como tantos outros tinha ido tentar a sua sorte na ex-colónia… como teria arranjado o dinheiro e o parceiro certo para a tal sociedade?

Para além da vontade e do voluntarismo é preciso ter alguma sorte, e o meu pai teve-a.

Em Novembro de 1964, acabadinho de chegar a Lourenço Marques vindo de Vila Franca de Xira e com 20 anos, o meu pai levava na bagagem um embrulho para ser entregue ao seu irmão mais velho com quem iria viver nos primeiros tempos e cujo conteúdo desconhecia, o mistério seria desvendado nas primeiras horas de África, era um queijo de Évora que para além do tempo que já tinha ainda levou com mais um mês de barco (paquete Moçambique) do Atlântico norte até ao Índico sul.

O produto alentejano aguenta tudo… já todos sabemos.

O queijo era para um senhor também ele oriundo da terra dos campinos, como o meu pai tinha tempo e queria conhecer a cidade o meu tio pediu-lhe para ir entregar o já famoso queijo, e tudo começou assim, quando voltou para casa não só já tinha um emprego como ia ganhar mais do que o meu tio que trabalhava como caixa no Banco Nacional Ultramarino.

O tal senhor era gente importante em Lourenço Marques e porque em tempos o meu pai (em Vila Franca de Xira) tinha feito desinteressadamente um recado a esse mesmo senhor poucos anos mais tarde oferecia-lhe emprego como apontador de obras da Sofil.

A Sofil era uma sociedade de construções que funcionava como grupo, tinha várias empresas associadas que principalmente operavam para fornecer a “empresa mãe”, tinha uma empresa de areias, uma de tintas e mais algumas outras.
Faltava contudo à Sofil uma empresa que fornecesse os restantes materiais de construção e ferramentas (o chamado material fino… o grosso são as areias, cimentos, tijolos) e assim foi criada a Ferrageira do Alto Maé tendo sido destacados de outras empresas do grupo os dois principais funcionários.
Um desses funcionários era o meu pai que tinha a responsabilidade do contacto com as pessoas, o outro era o tal Sr. João Sampaio menos de contacto mas nuclear pois ficou responsável pela contabilidade da empresa.

Um trágico acontecimento mudou a vida destas 2 pessoas, um prédio de 15 andares que tinha sido construído pela Sofil tinha caído em Lourenço Marques (na Av. 24 de Julho perto da pastelaria Princesa), uma comissão de inquérito para apuramento de responsabilidades que tinha ido da metrópole decidiu dissolver toda a sociedade dando a oportunidade e o direito de preferência aos seus ex-funcionários de ficarem com as respectivas empresas do grupo.

Com a fundamental ajuda da banca o meu pai e o seu sócio compraram a Ferrageira do Alto Maé por 2 mil contos e conseguiram também uma conta caucionada de outros 2 mil contos e tudo isto a pagar em 3 ou 4 anos… e foi pago.

Decidem investir novamente (sempre com a banca por trás) para poderem comercializar ferro, para que tal fosse possível a Associação dos Ferrageiros (uma espécie de Ordem dos Farmacêuticos) exige a compra de um camião, de uma grua e mais uma infindável lista sempre exigida aos poucos.

Tendo passado não mais de 6 ou 7 anos após a compra da sociedade, depois de pago este novo investimento e quando começavam a distribuir lucros surgem os cravos, a Ferrageira foi nacionalizada e convertida como parte da Dimac voltando tudo ao zero.

3 Comments:

  1. R de Rui said...
    Compreendo! Eu costumo dizer que enriqueci em Moçambique. Fui para lá com mil escudos no bolso, a dever o dinheiro da passagem de avião. Regressei com os cravos, casado, com dois filhos, dez mil escudos em notas, um metro cúbico de bagagem e, como "mata-bicho", ainda trouxe a grande vantagem de os meus filhos não terem de ir àquela guerra estúpida por onde passou um milhão de tugas. Feliz que eu sou!
    João Paulo Santos said...
    Desta vez garanto que limitei-me a escrever factos sem opinião pessoal no meio :)

    Quanto ao resto... o meu pai mesmo depois da independência ficou a trabalhar em Maputo até 1980.
    1º na DIMAC depois no A. Teixeira voltando novamente para a DIMAC.

    Acreditem ou não diz ele que trataram-no melhor depois do que antes da independência.

    O erro veio de trás... tivemos um grande aviso (se é que era preciso aviso) com a Índia (Goa/Damão/Diu).

    Seria possível uma independência à maneira?
    Seria possível uma independência salvaguardando pelo menos alguma coisa?

    A mim parece-me que sim mas..
    R de Rui said...
    Qual a dúvida, João Paulo? Os poderes político, militar e económico do Estado Novo, digamos, Salazer, não quis ver o que sucedeu com a França/Argélia, Bélgica/Congo, isto para falar só nas mais conhecidas. Não teve capacidade para afrontar os interesses fortemente protegidos. Então andou o pessoal a pagar com o corpinho e com os bens, nomeadamente aqueles que, como o teu Pai e eu, acreditaram que viviam em Portugal. Parolinhos que nós fomos!
    Para mim é bem evidente que, no mínimo, poderíamos ter feito alguma coisa do género do Brasil ou, em alternativa, uma Lusitaniawealth.
    Não souberam, não foram competentes para isso e deram cabo da vida a centenas de milhares. Mais os que lá ficaram abandonados, como já te falei. A propósito já foste ao terraweb ver do Roxo e do Marcelino?

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