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Traumas

Sabendo que os traumas da colonização portuguesa estão ainda bem presentes nos “nossos” países africanos, nas pessoas que lá viveram e nas que lá ficaram, é Moçambique pelas razões óbvias e conhecidas que me faz parar muitas vezes para pensar sobre tudo e mais alguma coisa.

Deixo-me ir em pensamentos e tentativas de chegar a conclusões que servem para tudo, para preencher a minha mente, para distrair-me, para encurtar os mais de 7.000km de distância, para convencer-me que mais tarde ou mais cedo vou mesmo lá parar.

Neste momento considero-me limpo ou purgado da parte que me tocava desses traumas, a viagem feita em Junho do ano passado serviu quase sem que me apercebesse também para isso, estou livre da carga negativa das imensas e boas histórias vindas de todos os lados, livre das histórias ouvidas durante anos e anos acerca da injustiça da descolonização ou dos bens perdidos.
A fúria colou-se nos bens perdidos mas para mim o pior de tudo foi a grossa fatia cortada à vida das pessoas que eram felizes… eram realmente felizes.
Apesar de me considerar limpo desses traumas e motivado em parte por esta notícia que na realidade deixou-me muito triste e chateado ocupei-me agora a divagar, em jeito de vingança, pelos traumas dos Moçambicanos do lado de lá, dos que actualmente lá vivem, dos nomes das ruas e da designação dos partidos políticos.
Sem qualquer ponta de presunção gostava de ver Moçambique dar mais um passo em frente e exemplar perante os restantes países vizinhos isto porque considero que actualmente não faz qualquer sentido manter-se a designação dos 2 principais partidos.
Porque não mudar?

Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique… frente de libertação do quê?
Renamo – Resistência Nacional Moçambicana… resistência nacional a quê?

Não estará na altura de virar a página?
O que me deixou triste e chateado na tal notícia e porque sempre fui português mas sem nunca renegar Moçambique, daqueles que até está a pensar em pedir a dupla nacionalidade só mesmo para fazer sorrir o meu coração, foi esta frase:
... a Comissão Municipal de Toponímia da Cidade de Maputo deliberou no ano findo a substituição de todos os topónimos acima descritos na cidade de Maputo.
Aliás, no entender da Directora Municipal Adjunta do Planeamento Urbano, Teresa Chissequere, a substituição justifica-se pelo facto de que “as personalidades portuguesas não deram nenhum contributo ao país”.
E mais esta:
... esta substituição visa responder a um dispositivo da valorização da cultura moçambicana e do bem comum do seu povo, pelo que “ a toponímia herdada do tempo colonial remete-nos às mazelas da opressão do nosso povo”.

Do que sempre soube foi que em 1975 tudo o que em Moçambique tinha algum cheirinho a Portugal foi alterado facto esse que até considero perfeitamente normal no contexto da época.
O que já não acho nada normal é a ainda necessidade em "pegar" nisso para justificar o que quer que seja, Moçambique faz e fará o que bem entender de si próprio, eu só quero é que evolua, cresça, progrida e que todos lá vivam melhor.

Se em 1975 "limparam" quase tudo o que cheirava a Portugal em 2009, 34 anos depois, creio que pouco haverá para "limpar".
Se em 1975 os nomes de Mouzinho de Albuquerque, António Enes, Massano de Amorim, Manuel de Arriaga, Miguel Bombarda, Craveiro Lopes, só para citar alguns com maior destaque na cidade das acácias nada diziam a Moçambique pelas razões que bem entendi no seu devido contexto pergunto o que contribuíram ou o que continuam a representar:

Ho Shi Min?
Karl Marx?
Vladimir Lenine?
Salvador Allende?
Friedrich Engels?
Olof Palme?
Kim Il Sung?
Mao Tse Tung?
Ou o que contribuíram para além de eventualmente algures na década de 60 e no início de 70 terem apoiado a resistência ou a causa:
Patrice Lumumba?
Julius Nyerere?
Ahmed Sekou Touré?
Mohamed Siad Barre?
Marien Ngouabi?
Kwame Nkrumah?
Kenneth Kaunda?
Dar-Es-Salam?
Todas estas personalidades (e uma cidade) dominam as principais ruas e avenidas de Maputo, e Maputo para mim representa Moçambique no mundo, quer-se valorizar a cultura moçambicana mas exceptuando Eduardo Mondlane que rua ou avenida principal honra outra personalidade moçambicana?
Eusébio ou Mário Coluna serão para muitos traidores, Mia Couto, Malangatana ou Maria de Lurdes Mutola nada representam?

Av./Rua de Portugal não encontrei no mapa de Maputo, Rua de França, Av. de Angola ou do Zimbábue sim encontrei.

Confundir políticos ou gente com poder em Moçambique e perguntar porque continuam a renegar Portugal é quase crime, o que se sente no verdadeiro povo não é isso, eu próprio não senti isso no povo em relação a Portugal, só que dói.

Esses políticos e gente de poder serão talvez os mesmos que pedem a Portugal o perdão da dívida.

6 Comments:

  1. R de Rui said...
    Tanta boa vontade e crença no impossível comovem-me. JP, os povos precisam de resolver os seus diários problemas e dificuldades (tratar da vidnha) e os políticos são aquilo que os deixam ser, em todos os locais do mundo. Por exemplo, recordas-te do nome da ponte de Lisboa? E, por exemplo, sabes que o Salazar foi escolhido como o português mais importante num concurso da rtp1? Há pouco mais de 30 anos assistiu-se à maior manifestação popular genuína e ai de quem dissesse bem desse mesmo político. Não, JP, não há hipóteses. Espero ainda ver Angola e Moçambique a serem divididos em Estados mais de acordo com a sua própria realidade sócio-étnica, renegando alguns deles, se calhar, o próprio Samora. Amigo, não te amofines. Lê História, e perdoa-me o conselho.
    João Paulo Santos said...
    Aos meus amigos permito tudo e agradeço... venham os conselhos... sempre.

    Faço este (e outros) exercício mental não para me chatear muito com isso mas para me entreter... além do mais é o que penso.

    Terei que ler ainda muita História e até é coisa que faço com muito agrado... mas a questão é que é mesmo essa... Portugal faz parte da História de Moçambique e vice-versa... país que renega totalmente à sua História...

    Esse ponto das tribos é de facto muito importante talvez por isso Ngungunhana tenha o seu nome numa mísera "travessa" de Maputo.

    Não espero grandes coisas de Moçambique relativamente a Portugal mas Avenida de Portugal em Maputo não seria nada do outro mundo e honraria os moçambicanos e portugueses.
    R de Rui said...
    Pois eu entendo-os perfeitamente. E nós, os Portugueses da Europa, somos os primeiros a negar a nossa própria História. Começamos por valorizar as grandes aventuras marítimas que nos levaram até às Índias e aos Brasis e que nos permitiram a colonização de territórios. Depois auto flagelamo-nos intitulando-nos ofensivamente como colonialistas e esclavagistas. Nenhum dos outros povos europeus que tiveram colónias dessas se martirizam com isso. Aliás, segundo creio, a França e a Holanda, ainda hoje têm colónias.
    Depois temos outro aspecto. Criámos, formámos, treinámos e levámos para as operações militares mais sanguinárias, tropas especiais de combate constituídas por pessoal do recrutamento local, dizendo-lhes que estavam a defender a Pátria, a Pátria deles próprios como Portugueses. Quando resolvemos embalar a trouxa e zarpar deixá-mo-los lá ficar entregues à sua trágica sorte. O que achas que esses Homens que, eventualmente estejam vivos, dirão dos que os atraiçoaram? Filhos de boa gente não nos chamarão, de certeza. E não foram dez nem cem, foram milhares. E existe uma lei, não escrita, da guerra. Nunca confies num traidor, mesmo que ele traia em teu favor.
    Ainda poderia falar nas centenas, se não milhares, de corpos de soldados Portugueses que por lá andam abandonadas. Não achas que isso é negar a própria História? Em que contribui para a felicidade dos Moçambicanos ter uma Av. Portugal? Nada, zero! Por mim até podem ser a Rua A, a B e por aí fora que me serve na mesma.
    João Paulo Santos said...
    Havemos de conversar sobre isto, eu pelo menos gostaria, pode ser na tal ceia :)
    Este assunto interessa-me mesmo muito.

    Já tinha lido sobre isso dos corpos... também fiquei indignado... uma vergonha.

    Também tive conhecimento dessas tropas especiais de combate, vi isso na série/documentário "A Guerra" de Joaquim Furtado... os que lá ficaram vivos certamente passaram um mau bocado... não é nada que de facto possam orgulhar-se de Portugal.

    Mas 34 anos depois está mais que na altura de enterrar isso... não é impossível para as duas partes.

    Apesar de não ter investigado muito sobre o assunto considero que os Ingleses (por exemplo) fizeram muito pior que nós nas suas colónias e parece-me que não houve esse "apagar de memória" ou tentativa de...
    R de Rui said...
    De acordo contigo sobre os ingleses. E o mesmo com os holandeses, franceses e alemães. Já os espanhóis foram um pouco diferentes. Mas, como disse no meu comentário anterior, as colónias e a escravatura foram o normal daquela época. De todos os colonizadores só nós nos pomos a chorar lágrimas de crocodilo. Uma vergonha.
    Sobre as tropas especiais locais e os corpos abandonados podes, já que mostras tanto interesse, ir a este site http://ultramar.terraweb.biz/ e verás como até ficas ruborizado ao saberes que há por aí antigos combatentes com marcas físicas e psíquicas da guerra a viver nas ruas e ninguém quer saber deles. Quando digo ninguém refiro-me ao Estado, que os pôs naquelas condições e, novamente, os abandonou. Parafraseando o Padre António Vieira - "Quando serves o teu País cumpres o teu dever, quando o Estado te abandona faz o que costuma". A frase é mais ou menos assim mas o espírito é este.
    Voltando ao site lá verás a história do Marcelino da Mata, o maior, o mais audaz guerrilheiro que lutou em mais de 2000 acções por Portugal e, sem formação académica, é hoje tenente-coronel. É um indivíduo da etnia papel, Guiné, que, claro veio para Portugal a tempo de salvar a pele. Os outros, que lá ficaram vivos, hoje já não devem falar, quase de certeza absoluta.
    Falaremos quando quiseres, mas na tal ceia não, por que o resto do pessoal haveria de ficar mal disposto com tantas maldades.
    R de Rui said...
    Complementando o anterior. No sítio também poderás ver coisas sobre o Roxo, o Comandante Roxo, um homem originário daqui do continente (creio que da zona de Mogadouro) e que se instalou em Vila Cabral, Moçambique, constituindo um grupo de combate com cerca de 40 homens, que, volta e meia, desapareciam e só voltavam 8/10 dias depois e nunca contavam a ninguém onde tinham ido. Se calhar comprar rebuçados....
    O Comandante, após o 25 Abril, não quis voltar para Portugal, vindo a morrer em combate, não sei se na Rodésia se na África do Sul,talvez integrado no famoso Batalhão Búfalo (cujo carisma originou a canção Búffalo Soldier - a música e a guerra sempre se deram). Quanto aos restantes homens do grupo ou foram com ele ou não devem ter gostado nada do tratamento que lhes deram.
    O Roxo era um homem afável, despretensioso, e com quem se podia conversar normalmente. Isso não o impedia de ser uma guerrilheiro temível e muito temido.

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